Uma Cássia Eller
tímida e insegura, mas muito amada por amigos e pessoas próximas. É
essa a imagem da cantora mostrada no documentário "Cássia", de Paulo
Henrique Fontenelle, que teve a sua primeira exibição na noite desta
segunda (6), no Festival do Rio.
Com um material de arquivo
muito rico, que recupera desde as primeiras apresentações da cantora,
quando ainda morava em Brasília, até filmes caseiros mostrando a vida
familiar, o documentário é marcado pela emoção, presente na fala de cada
um dos que conviveram com ela --em especial sua ex-companheira, Maria
Eugênia, e os músicos Zélia Duncan e Nando Reis.
Ela [Maria Eugênia] sentiu confiança na gente e falou que a única coisa
que queria era que o filme fosse honesto e mostrasse todos os lados da
Cássia mesmo, a face das drogas, dos casos, de tudo Paulo Henrique Fontenelle, cineasta
O filme de Fontenelle também não se furta a abordar questões mais
delicadas, como as drogas, as relações extraconjugais, o sensacionalismo
em torno de uma suposta overdose que teria causado a morte de Cássia (o
que foi desmentido depois por laudos), e a disputa pela guarda de
Chicão, filho da cantora, que ela sempre expressou que queria que fosse
criado por Eugênia.
"Ela [Eugênia] sentiu confiança na gente e
falou que a única coisa que queria era que o filme fosse honesto e
mostrasse todos os lados da Cássia mesmo, a face das drogas, dos casos,
de tudo", contou o diretor ao
UOL, logo após a
exibição, que teve a presença de Maria Eugênia, Chicão, da mãe e da irmã
e de Cássia, de Zélia Duncan e de outros músicos que trabalharam com a
cantora. Leia a entrevista a seguir.
UOL - De onde veio a vontade de retratar a Cássia Eller?
Paulo Henrique Fontenelle
- A Cássia era uma pessoa que fez parte da vida de tanta gente, da
minha também. Eu passei a minha adolescência ouvindo Cássia Eller. E até
hoje toca música da Cássia na rádio todo dia. As pessoas cantam até
hoje. Foi uma pessoa que mudou a vida de tanta gente, mas nunca
conheceram quem foi realmente a Cássia Eller. Conhecia no palco,
conhecia as músicas, mas não conhecia a alma dela. E eu fiquei
impressionado de ver que nunca foi feito nada em relação a ela, teve só
um livro, mas não teve nenhum filme, nenhum documentário, nenhum
programa de televisão, não teve nada. E eu senti a vontade de contar
quem foi essa pessoa que influenciou tanta gente, mas que pouca gente
conhece.
O documentário tem material de arquivo muito rico. Como você teve acesso a isso?
Foi um trabalho de pesquisa bem intenso, demorou cerca de quatro anos. A
gente recolheu de todos os amigos dela, muita gente que tinha gravado
na época, amigos que filmaram shows, amigos que fizeram fotos. Então, a
gente foi percorrendo todas as televisões, todos os amigos que pudessem
trazer esse painel mais completo dela.
Aparentemente, a Maria Eugênia e toda a família da Cássia foram muito receptivos. Como foi a aproximação e a relação com eles?
Quando eu tive a ideia, a primeira coisa que eu fiz foi mandar um
e-mail para a Eugênia, para conversar com ela. Demorou um pouco para ela
responder, mas, de repente, respondeu. Chegou um e-mail que dizia: "A
princípio, não tenho vontade porque muita gente já nos procurou, mas a
gente queria que fosse uma coisa feita com respeito. Mas, como o Chicão
viu 'Loki' [filme anterior de Paulo, sobre a vida do ex-mutante Arnaldo
Baptista] e adorou, então a gente queria conversar com você". E no nosso
primeiro encontro nos entendemos muito bem, ela sentiu confiança na
gente e falou que a única coisa que queria era que o filme fosse honesto
e mostrasse todos os lados da Cássia mesmo, a face das drogas, dos
casos, de tudo. Para que as pessoas tivessem noção de quem foi a Cássia
Eller de verdade. Ela deu total liberdade para a gente poder fazer o que
quisesse.
É um filme que tem muita emoção, nas
entrevistas de arquivo dela e principalmente dos amigos e pessoas
próximas. Foi difícil manter um distanciamento? Você e a equipe se
emocionaram junto?
Foi um trabalho intenso, de muita
emoção. Primeiro, mexendo em material de arquivo dela, o que foi uma
coisa muito emocionante. Eu peguei várias imagens dela mesmo filmando e
falando, conversando, rindo. E eu praticamente conversava com ela toda
noite ouvindo aquele material. Depois, entrevistar todas as pessoas que
conviveram com ela foi sempre emocionante. A gente foi cada dia se
envolvendo mais com a história, e, no final, a cada entrevista que
acabava, a equipe inteira chorava.
Nesse processo todo, qual foi a maior surpresa que você teve?
Primeiro, a simplicidade dela, a ingenuidade e o fato de ela viver
apenas para a arte. Uma pessoa que estava pouco se lixando para o
sucesso. Ela preferia até tocar para dez pessoas do que para 100 mil.
Então, era uma pessoa que tinha a música e a arte dela em primeiro
lugar. Que é um artista de verdade. Não poderia fazer outra coisa a não
ser cantar. E esse carinho que todo o mundo tem por ela. A gente não
conseguiu entrevistar ninguém que pudesse falar mal dela. Até as pisadas
de bola dela, as pessoas veem como um causo, uma coisa divertida. Até o
empresário, que era enganado por ela o tempo todo, de quem ela fugia.
Era sempre emocionante descobrir cada faceta dela. Foi uma jornada muito
emocionante, que mudou a minha vida e a de todo o mundo que trabalhou
nesse filme.
Depois de passar esses quatro anos mergulhado no universo de Cássia Eller, o que você acha que fez dela uma figura tão marcante?
Eu acho que principalmente a liberdade que ela tinha e a sinceridade.
Acho que ela não fazia nada que fosse marketing. Tudo que ela queria
fazer era sincero, tanto nas relações quanto na música, na amizade. Eu
acho que a sinceridade é algo que inspira, que todo o mundo deveria
seguir.